Promessa do presidente Jair Bolsonaro, a venda direta de etanol para postos corre risco de não atender os objetivos do governo. Na avaliação de especialistas e integrantes do setor, a medida pode não reduzir os preços dos combustíveis e aumenta o risco de sonegação de tributos. A prática foi autorizada por uma medida provisória assinada na quarta-feira, 11. A MP tem força de lei, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em 120 dias para não perder a validade.

Apesar de o tema vir sendo discutido pelo governo nos últimos anos, entidades do setor afirmam que receberam com surpresa a publicação da medida provisória. As principais preocupações giram em torno da dificuldade de fiscalização com as alterações feitas pelo texto.

A MP altera a Lei nº 9.478/1997, a Lei do Petróleo, flexibilizando o processo de compra e venda do etanol hidratado, usado pelos veículos flex. Antes, somente as distribuidoras poderiam vender combustíveis aos postos. Ou seja, as distribuidoras compravam o combustível do produtor e o revendia aos postos. Com a MP, a logística de distribuição e o recolhimento de impostos passa a ser de responsabilidade dos usineiros, sem a intermediação das distribuidoras.

Para a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)Valéria Lima, a proposta vai causar uma assimetria tributária, pois haverá diferentes cenários de recolhimento dos impostos. “Nossa questão quando a venda direta é a complexidade tributária, que acaba trazendo bastante distorções no pagamento dos impostos e acarreta a possibilidade de sonegação e, consequentemente, de distorções na competitividade e, no fim, para a sociedade, pois diminui a arrecadação e gera mercado irregular”, afirmou.

Ao permitir a venda do etanol hidratado diretamente pelo produtor ao posto de combustíveis, a MP estabelece um sistema “dual” de tributação. Por meio dele, o produtor terá que recolher todos os impostos federais. O texto altera a cobrança da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), tributos federais, na venda de álcool anidro importado para adição à gasolina, quando o distribuidor também for importador. Ou seja, ela acaba com a desoneração tributária prevista até então para estes casos. Segundo o governo, isso vai equalizar a cobrança de impostos entre o produto nacional e o importado.

O maior impacto da mudança na cobrança de impostos será para os Estados, que precisarão adequar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Se não regularem, vão estão abrindo mão de parte da receita e, além disso, vai criar uma assimetria concorrencial, pois o posto que comprar direto do produtor vai pagar menos ICMS. Isso cria uma assimetria concorrencial, pois o mesmo produto vai ter duas tarifações diferentes”, explica Valéria.

Segundo ela, também não há garantias de que a medida irá de fato reduzir os preços cobrados nas bombas. Ela destaca que nem o próprio governo tem essa certeza e apenas indicou que “pode” resultar na diminuição dos preços. “Tem pouco efeito prático. A tendência será que os produtores vendam o etanol para postos muito perto de suas unidades geradoras”. Isso porque um usineiro do Nordeste, por exemplo, teria que pagar um frete muito alto para levar o seu produto até o Sudeste. Nos grandes centros do País, as distribuidoras também já tem uma logística de entrega do etanol, o que deve favorecer para que elas continuem sendo as principais fornecedoras.

Outro ponto inesperado pelo setor foi a permissão para que postos possam vender combustíveis de outras marcas, desde que devidamente informado ao consumidor – conhecida como “tutela regulatória da fidelidade à bandeira”. Conforme apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação no setor é que o governo atropelou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que realizou uma consulta pública nos últimos meses sobre a medida.

Hoje, postos de combustíveis já têm a opção de se vincularem a marcas comerciais de distribuidoras, como ShellIpiranga ou BR, ou serem independentes. Esses postos são chamados de “bandeira branca” e representam cerca de 47% do mercado.

Conforme apurou a reportagem, a alteração pode afetar os contratos vigentes, já que muitos trazem cláusulas de exclusividade da comercialização de combustíveis com as distribuidoras. Agentes do setor de distribuição afirmam que a MP pode resultar em judicialização, pois alguns vendedores podem descumprir os contratos para eventualmente assinarem novos ou ficarem livres para comprar de outras empresas.

Também há prejuízos para as empresas, que muitas vezes fazem investimentos em equipamentos, treinamentos e tecnologia. Outros argumentos seriam em relação aos direitos dos consumidores, que hoje podem identificar a marca comercial da distribuidora do combustível, além da dificuldade operacionais de segregar tanques e bombas para produtos de diferentes de diferentes origens. Isso traria novos custos de investimentos, que também seriam repassados ao preço final do produto.

Autor/Veículo: O Estado de S. Paulo