Para Aureliano Lima Filho, de 69 anos, o futuro é agora. Ele é dono de um carro 100% elétrico, coisa raríssima no Rio. Mais do que isso, usa seu exótico BMW i3 no dia a dia, para ir de casa, na Joatinga, ao trabalho, em Todos os Santos (60k m entre ida e volta), como se fosse um trivial Fiat Palio ou Toyota Corolla.

— É o carro que mais dirijo, sem qualquer preocupação especial pelo fato de ser elétrico. Carro a combustão nunca mais! — conta, entusiasmado.

Na estreita garagem, a preferência de Aureliano fica provada: entocado lá no fundo há um Mini Cooper S, a gasolina, enquanto o i3 fica bem na porta, junto ao carregador, e sempre pronto para sair.

Em toda a cidade não existem mais do que sete (sim, apenas sete) proprietários de carros “a bateria” — em um universo de aproximadamente 2,5 milhões de veículos que circulam pelo Rio. Todos são donos de BMW i3 ou i8, os únicos modelos totalmente elétricos hoje à venda no país. Nessa conta dos sete pioneiros computamos apenas os cariocas que, por livre e espontânea vontade, tiveram o impulso de comprar um elétrico. Não foram incluídos os motoristas que trabalham com uma frota de 15 táxis Leaf emprestada pela Nissan, a título de experiência para provar sua robustez.

ARGUMENTO DE ENTUSIASTA

A quem pensa que carro elétrico é frescura de ecologista, vale ressaltar que Aureliano tem um perfil de autoentusiasta. Ele ama máquinas e mecânica. Pilota helicóptero (já voou até táxi aéreo na Amazônia) e cuida de uma frota de caminhões de mudança. A opção pelo carro elétrico não se deu por preocupações verdes, mas pelo alto desempenho e prazer ao dirigir. São argumentos de quem curte automóvel.

— Já tive carros potentes como o BMW M3 e mesmo o Mini Cooper S, mas o i3 supera todos eles. Por ser elétrico já tem o torque máximo a partir de 1rpm, e são 170cv de potência. Enquanto no carro comum e entrega é progressiva, no elétrico é tudo imediato. Nas arrancadas, o corpo cola no banco como se estivéssemos decolando com um Boeing — anima-se, ao descrever seu transporte diário.

Foi por meio do aeromodelismo que o empresário começou a ver as vantagens dos motores elétricos e a confiar nas baterias de íon-lítio:

— Os motores a combustão fazem barulho, fedem e enguiçam constantemente. Já os elétricos são silenciosos, sem sujeira e não têm quase nada para quebrar. Além disso têm melhor desempenho, tanto que hoje dominam o campeonato mundial de aeromodelismo — lista.

O PREÇO DE SER PRECURSOR

Os preços dos elétricos ainda são muito altos. Para se tornarem viáveis, esses carros acabam por depender de incentivos fiscais. Mesmo assim, costumam gerar prejuízos a seus fabricantes.

O i3 foi comprado em dezembro e, após 3.000 km, Aureliano afirma que não há nada de loucura em ser um pioneiro e pagar R$ 170 mil por um modelo visto por muitos como excentricidade. Achou caro? Pois antes de o governo federal estimular os elétricos e híbridos reduzindo as alíquotas do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), o preço era de R$ 235 mil.

— Fui o primeiro a ter um jet-ski no Rio, ainda nos anos 70. Não tenho medo de novidade — conta.

Outro problema basilar dos elétricos no mundo real é a falta de locais para recarga. Quem mora em um edifício, por exemplo, não tem onde ligar o carregador. Mesmo que tenha uma tomada, pode arrumar confusão com o síndico e os outros moradores por causa do gasto extra na conta de luz.

Para quem mora em casa, encontrar pontos de recarga deixa de ser problema. Aureliano instalou uma tomada de 220v na garagem e pronto. Após ir e voltar do trabalho (60km), deixa o carro pernoitar ligado ao carregador. São quatro ou cinco horas para que a bateria chegue aos 100%:

— Preocupado com a autonomia, botei uma tomada no trabalho, mas nem a uso mais. Vou a Todos os Santos e volto à Joatinga e ainda há carga de sobra para ir a um restaurante em Ipanema ou no Leblon à noite.

AUTONOMIA JÁ

Há diferentes modos de uso. No mais econômico, o i3 pode percorrer 160km. Caso a carga da bateria baixe a 20%, um motor de dois cilindros e 650cm³, de scooter BMW, entra em ação como gerador (não há ligação com as rodas) e permite rodar mais 120km com um tanque de dez litros de gasolina.

Como gosta de desempenho, Aureliano nunca usa o modo econômico, mas sim o mais rápido. Neste caso, a autonomia baixa para uns 140km.

— Dirijo o carro como gosto, arrancando forte e acelerando, sem grandes preocupações em poupar bateria. Mesmo assim, nunca precisei entrar no gerador — relata o dono do i3.

A carga da bateria pode ser monitorada à distância, por um aplicativo no smartphone. O dispositivo também permite ligar o ar-condicionado remotamente, abrir e trancar as portas, piscar luzes e tocar a buzina (útil em um estacionamento).

Se, por um lado, o carro elétrico é muito caro, por outro, as despesas são mínimas. A primeira revisão do i3 é feita após um ano. É que carro elétrico não tem muita coisa para quebrar. Seu motor traz tecnologia (sem escova, carvão ou induzido) para não ter desgaste ou dar defeito. É só imã e bobina.

E nunca mais será preciso trocar óleo, velas, filtros, correias, juntas ou mangueiras, nem retificar o cabeçote ou a bomba d’água — afinal, um elétrico não tem nada disso…

A bateria do i3 tem dez anos de garantia e fica numa caixa hermeticamente fechada. Ou seja: não há risco de curto circuito ao passar pelos alagamentos do verão carioca.

IPVA CAMARADA

Os gastos com eletricidade ficam em torno de R$ 12 para cada 100km rodados — em custo, é como um carro a gasolina capaz de fazer uns 33km/l.

Outro detalhe interessante no “mundo real” é que, no Rio, os carros elétricos pagam IPVA de apenas 0,5% de seu valor (são R$ 711 no caso do i3).

E aí é administrar a curiosidade das pessoas diante de um carro que não faz ruído.

— Mesmo os leigos em automóvel que andam comigo notam absurda diferença de conforto e desempenho do elétrico. Quando as fábricas passarem a fazer esses carros em massa, os preços vão cair — aposta Aureliano.

Fonte: Extra