Sete grandes associações varejistas acabam de entrar com uma denúncia coletiva no CADE contra a Cielo, questionando a política de exclusividade nas bandeiras de cartões controladas por Banco do Brasil e Bradesco e outras práticas consideradas anticoncorrenciais, como a venda de produtos casados associados às maquininhas.
É a primeira vez que uma grande coalizão de lojistas — o cliente final do chamado ‘mercado de adquirência’ — compra briga diretamente com a Cielo, a líder de mercado com 50% de participação. O CADE abriu procedimento preparatório para averiguar se as queixas procedem.
Num documento de 33 páginas, os varejistas afirmam que a Cielo e as bandeiras Elo, Alelo e Amex estão ganhando “reforço cada vez mais claro de seus controladores”, constituindo um “grupo econômico em bloco” e deixando os consumidores reféns de um arranjo de produtos.
“Os bancos pertencentes a esse grupo estão claramente utilizando-se de toda a dominância natural de mercado para interferir em outros mercados (o mercado de suas subsidiárias ou contratadas exclusivas), ocasionando desvios e danos à competição e principalmente ao mercado que demanda e precisa desses serviços”, argumentam.
A denúncia — que vem num momento em que a recessão brutal massacra as margens do varejo — é assinada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad), Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Associação Nacional de Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco), Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
A Cielo disse que tomou conhecimento da reclamação mas ainda não foi oficialmente notificada, e acrescentou que está sempre à disposição dos órgãos reguladores.
As credenciadoras de cartões já estavam na mira do antitruste. Em março deste ano, o órgão abriu por iniciativa própria três inquéritos administrativos para investigar condutas anticompetitivas nesse mercado, incluindo a Rede, controlada pelo Itaú Unibanco.
Para entender a queixa dos varejistas é preciso dar um passo atrás, para 2010, quando Banco do Brasil e Bradesco lançaram a bandeira de cartões Elo. (No ano seguinte, a Caixa entrou com participação de um terço no negócio.)
Desde então, o crescimento da Elo foi explosivo. Os controladores passaram a priorizar a emissão sob essa bandeira, que hoje já é a terceira maior do mercado, atrás apenas de Mastercard e Visa.
No caso da Amex, embora não haja participação societária de nenhuma das duas instituições, o Bradesco é o licenciado exclusivo, sendo o único agente apto a credenciar estabelecimentos para captura de transações da bandeira em território nacional.
A Cielo tem exclusividade no processamento dessas bandeiras. No ano passado, maquininhas de outras redes, como Rede, FirstData e GetNet, passaram também a aceitá-las, mas num modelo praticamente terceirizado e não de ‘full acquirer’. Quem processa e determina as taxas é a própria Cielo, que paga apenas uma comissão às concorrentes.
O caso da Alelo – de vales-refeição e controlada apenas por BB e Bradesco – é ainda mais sensível porque a Cielo atua como única captadora e processadora. Os varejistas se queixam que a exclusividade os obriga a ter uma maquininha da Cielo mesmo quando há opções e condições de atendimento melhores em outra credenciadora.
Num email anexado ao processo, um dos associados afirma que a taxa de aluguel da maquininha da Cielo é o dobro da cobrada pela Rede. Sem citar números, os denunciantes afirmam que as taxas cobradas sobre cada transação de débito ou crédito na Elo e na Amex também são mais altas em relação às bandeiras abertas, como Visa e Mastercard.
Os lojistas relatam ainda dificuldades em se descredenciar da Cielo. Eles afirmam que ficam sujeitos a taxas maiores nas bandeiras Elo, Amex e Alelo quando trocam de credenciadora. Na denúncia, um associado da Abrasel, de bares e restaurantes, relata que, ao migrar a centralização das demais bandeiras para a concorrência, a taxa para transações da Alelo nas máquinas da Cielo subiu de 6% para 6,5%.
“As retaliações sofridas por aqueles que tentaram descontratar a Cielo vão desde o aumento nas taxas de descontos em bandeiras exclusivas desta credenciadora até a perda ou restrição em linhas de crédito oferecido pelas instituições financeiras ligadas a credenciadoras e às bandeiras exclusivas, além de multas ou penalidades”, apontam.
As associações reclamam ainda da oferta casada de produtos pelos bancos. Eles dizem que, para receber pelo que faturam com Elo e Alelo, há exigência de abertura de conta corrente ou linha de crédito no Banco do Brasil ou Bradesco, e que os recebíveis gerados com cartões dessas bandeiras têm negociações restritas a seus bancos controladores, o que diminui as opções de crédito.
A queixa das varejistas vem num momento em que a Cielo está trocando de comando. Depois de oito anos, Rômulo Dias vai deixar a empresa em janeiro para se tornar diretor de cartões do Bradesco. Em seu lugar, assumirá Eduardo Gouveia, ex-CEO da Multiplus e mais recentemente à frente da Alelo.