A especulação imobiliária e desentendimentos entre os sócios — que impediram, por mais de uma vez, a aquisição por grupos interessados no negócio — frearam o processo de expansão da Ale Combustíveis, empresa distribuidora e proprietária de postos com sua marca. A companhia registrou expansão na última década e caminhava para figurar entre as grandes do setor. Mas nos últimos anos enxugou sua operação em grandes capitais e migrou para cidades menores, onde os custos de aluguel são menos salgados que nas metrópoles.

De acordo com a própria Ale, sua marca está presente em 22 estados, com 1900 postos. Mas o projeto de estar entre as maiores do país continua distante, já que o market share é de apenas 5,4%.

Em 2012, segundo a empresa, o faturamento foi de R$ 9 bilhões. A previsão é chegar a R$ 10 bilhões este ano, com um acréscimo de 160 novos postos revendedores em sua rede, resultado de investimentos de R$ 155 milhões. Julio Paulon, diretor Comercial Sul da ALE, admite o encolhimento da empresa nas capitais, como o Rio de Janeiro, mas afirma que vem ampliando sua atuação nas cidades periféricas.

“A companhia acompanha o mercado em busca de novos negócios e, até o momento, temos a previsão de cinco novas revendas na cidade do Rio até o final deste ano”, explica o executivo. “A saída da Ale de regiões como a zona Sul, tem relação direta com custos”, complementa Paulon, acrescentando que “com a valorização do mercado imobiliário nos grandes centros, o varejo tende a migrar para as áreas do entorno das metrópoles, no qual o valor do metro quadrado tem um custo beneficio melhor para o negócio.”

O consultor Eduardo Domingues confirma a prática da Ale e adianta que a empresa não e a única a passar pelo problema. “Postos em lugares privilegiados ficaram inviáveis, pela competição com o mercado imobiliário. Como se sustenta hoje um posto na zona Sul?”, questiona.

Para uma fonte do setor, que pede sigilo sobre sua identidade, de fato, a questão imobiliária é um dos fatores de recuo da Ale no mercado. Mas a pedra no sapato no desenvolvimento da empresa está em sua própria gestão, com os sócios divergindo sobre o futuro do negócio. A própria origem do faturamento — que tem nos postos sem bandeira, 50% das vendas da companhia na distribuição — é um dos pontos divergentes, diz a fonte. “A Ale tem um volume alto de faturamento, sem dúvida. Mas metade do que fatura vem da distribuição para postos sem bandeira, um negócio que acaba deixando em potenciais compradores um ponto de interrogação sobre os reais indicadores de rentabilidade da empresa. A Ale tem problemas na sua origem, nos sócios que tem visões incompatíveis sobre a forma de buscar resultados”, comenta a fonte.

Ainda de acordo com a mesma fonte, a relação da companhia com os revendedores não é mais a mesma, o que levou muitos a trocar de bandeira. “A Ale repassa muito rápido os aumentos de combustíveis para a rede. Ela não tem escala para uma gestão mais uniforme e a comunicação com a revenda deixou de ser de parceria”, destaca ele.

Os problemas imobiliários, afirma a fonte, não se restringem ao Rio. A perda também aconteceu em pontos significativos em Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba.

“A Ale buscou os mercados com menos condições de competitividade e onde o repasse de preços não encontraria resistência dos revendedores. Abriu mão da vitrine. Seu desafio agora é crescer no interior para não depender tanto dos postos sem bandeira”, comenta.

Movimento que parece longe de acontecer. Em 2012, a empresa comprou 60 postos da distribuidora pernambucana Ello-Puma, que atua nos estados da Paraíba e Pernambuco. Por lá, também vai abastecer postos de bandeira branca. Em 2006, a Ale se fundiu com a Satélite Distribuidora, com sede em Natal (RN) e manteve o nome Ale.

As tentativas de venda da Ale, diz a fonte, foram frustradas por desentendimentos entre os fundadores, o Grupo Asamar, dono de 50% da empresa, e demais acionistas, que não chegam a um consenso sobre preços. Em dezembro de 2011, a Bunge tentou comprar a empresa, mas o negócio não foi adiante. Em 2012, foi a vez do GP Investimentos, que voltou atrás.

Concentração na distribuição cresceu na última década

Após um período de grandes fusões e aquisições, o mercado brasileiro de distribuição de combustíveis está cada vez mais concentrado. Segundo dados divulgados ontem pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Petrobras, Ipiranga e Raízen detinham, ao final de 2012, nada menos do que 65,7% das vendas de gasolina no país. No mercado de diesel, a concentração é ainda maior, com as três empresas sendo responsáveis por 77,8% das vendas. Há nove anos, cinco distribuidoras disputavam o controle do mercado: Petrobras, Ipiranga, Shell, Esso e Texaco.

O processo de concentração foi iniciado com a saída de multinacionais a partir da metade da década passada, diante das dificuldades de obter rentabilidade em um ambiente marcado por fraudes e sonegação fiscal. Primeiro, foi a italiana Agip, que vendeu sua rede à Petrobras em 2004. Em 2008, a ExxonMobil anunciou a venda da rede Esso à Cosan, que buscava um canal de vendas para sua produção de etanol. No mesmo ano, o grupo Ultra — que já havia entrado no setor com a compra, em conjunto com a Petrobras, da Ipiranga — anunciou a aquisição dos postos Texaco.

Em 2011, no último grande movimento do setor, Shell e Cosan uniram suas redes e ativos de distribuição e produção de etanol na Raízen – hoje a terceira maior distribuidora do país, com 17,4% das vendas de gasolina e 14,6% das vendas de diesel. A primeira colocada continua sendo a Petrobras, seguida pela Ipiranga, do grupo Ultra. Segundo o consultor Carlos Eduardo Domingues, a concentração é reflexo da busca por redução dos gastos logísticos, parte importante dos custos do setor. “Na tentativa de diminuir o número de bases e de melhorar a utilização dos caminhões, as empresas acabaram se unindo”, comenta.

A questão logística ganhou peso nos últimos anos, com a redução dos investimentos da Petrobras no segmento. A estatal vinha forçando as distribuidoras a aplicar recursos em bases e terminais de estocagem de combustíveis. Este ano, ANP convocou as partes para definir responsabilidades no abastecimento.

De acordo com dados da ANP, o Brasil tinha, ao final de 2012, 140 distribuidoras de combustíveis e 39,4 mil postos de revenda, 44% deles com bandeira das três grandes do setor. Outros 43% não estão ligados a nenhuma empresa – são os chamados postos de bandeira branca, que têm liberdade contratual para comprar combustíveis de qualquer empresa. Pouco menos de 4 mil postos são divididos entre as outras 128 companhias, incluindo a Ale.

Para Domingues, a redução no número de redes em grandes capitais garantiu uma melhora das margens do setor, que passaram anos achatadas por conta da competição desleal com empresas que adulteravam produtos ou sonegavam impostos. Além disso, o mercado brasileiro de combustíveis tem experimentado grande crescimento nos últimos anos, impulsionado pelo aumento do poder aquisitivo e pelas vendas de veículos no país após a concessão, pelo governo federal, de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

As vendas de gasolina, por exemplo, tiveram alta de 82% entre 2003 e 2012, quando atingiram 39,7 bilhões de litros — além do crescimento da economia, a crise de produção de etanol contribuiu com o aumento das vendas do derivado de petróleo. Já o mercado de óleo diesel cresceu 51,7% no período, para 55,9 bilhões de litros.

Fonte: Brasil Econômico